Em parceria com Monique Bonomini (@moniquebonomini), o Portal Cataprisma traz a resenha de O romper das conchas, de Emanuela Ribeiro (@leiturasdaemanuela) e Íris d´água, de Magda Medeiros (@magdamedeiros_), acompanhadas de uma breve entrevista concedida pela autora Emanuela Ribeiro
A sedução da dualidade
(um texto de Monique Bonomini)
A dualidade é sedutora. Bem e mal, cima e baixo, perto e longe, bonito e feio... parece um sistema que a humanidade desenvolveu para encontrar algum equilíbrio na própria existência, tornando, de certa forma, um pouco mais suportável os lugares onde estamos e não. É quase um alimento pro desejo humano de controle sobre o mundo, pensar nas coisas pela perspectiva dos extremos.
Não à toa, ser ou não ser, eis a questão, é um dilema que se perpetua, a humanidade busca por valores inteiros, claros, com linhas de separação bem definidas, quase uma fórmula para sobreviver. Mas a realidade se apresenta um pouco mais complexa.
O livro O romper das conchas de Emanuela Ribeiro, lançado em 2023 pela Caos & Letras é um romance que mergulha e tem cheiro de maresia, e nos conta da relação de duas irmãs Clarice e Letícia, que se reúnem após a morte da mãe, o elo entre elas.
Já em Íris d’água, de Magda Medeiros, lançado também em 2023, mas pela Editora Penalux, nos sentamos para saborear um café passado na hora e deitarmos prosa sobre a Augusta que nos é oferecida pelos olhos de sua irmã Ana Maria.
Me intrigou que ambas as histórias tenham chegado a mim de modo quase simultâneo; eu, arrebatada, estava finalizando a leitura de um litorâneo O romper das conchas, em que grifei: “É evidente que minha irmã não consegue ser o que eu preciso que ela seja.”, quando recebi Íris d’água, cujo ponto de partida é uma cidade no idílico interior mineiro onde uma irmã mais nova vê a mais velha despontar para um mundo muito maior que as afasta, neste grifei: “Eu acreditei que tínhamos um pacto e conseguiríamos realizar o nosso desejo.”
Nos dois romances as irmãs supõem que estão cada uma numa extremidade, embora os livros tenham premissas diferentes e enredos distintos. Em O Romper das Conchas, Letícia e Clarice tentam resgatar sua relação a partir da tragédia da morte da mãe, uma mulher que ficou viúva muito jovem e adoeceu. Conhecemos a voz das duas, sendo Clarice, mais velha e bem-sucedida a que volta para a Praia das Conchas para resolver burocracias e Letícia, a mais nova, a que ficou com a mãe ou o que restou dela, a despeito das suas vontades.
Enquanto isso, Iris d´água é uma espécie de romance de formação, em que Ana Maria, a irmã mais nova, nos conta sua vida a partir do amor e da admiração que nutria pela irmã mais velha Augusta, diferente dela tanto na aparência quanto na impetuosidade, o que acaba a levando optar por uma vida na sombra, ignorando o próprio brilho, tamanho seu deslumbramento com a outra.
Para além dos debates trazidos, descobrimos durante essas leituras que os extremos do que cada irmã representa não são tão opostos assim. Letícia tem talento e um sonho muito maior do que a Praia das Conchas comporta, Ana Maria tem inteligência e presença de espírito o suficiente para se sair tão bem quanto Augusta.
À medida que as histórias evoluem, percebemos que essa dualidade que coloca as irmãs em posições extremas não é tão dual assim, as características delas, vistas de perto, borram os limites que as separam e acabam revelando que elas são muito mais parecidas em medos, desejos e dúvidas do que pensam.
Ísis e Néftis eram deusas irmãs no Egito Antigo. Enquanto Ísis era cultuada como a grande mãe e protetora de gestantes e crianças, Néftis era celebrada como uma deusa maga, com grandes poderes de cura e senhora da morte. Alguns estudiosos enxergam a imagem delas como um espelho, em que a escuridão de Néftis é equilibrada pela luz de Ísis. Gêmeas, a única coisa que as distingue é o trono que Ísis leva sobre a cabeça, enquanto Néftis leva uma coluna.
Em paralelo as histórias de Clarice e Letícia, Ana Maria e Augusta, Ísis e Néftis são parecidas, quase idênticas num primeiro olhar, mas quando seus dons se manifestam percebemos onde elas se separam.
Quando cedemos à sedução da dualidade, do isto ou aquilo, do preto no branco, cometemos o erro de desviar o olhar de tudo o que está no meio, onde as trajetórias se encontram. Seja em O romper das conchas, seja em Íris d’água, há muito mais pontos que conectam essas irmãs do que as separam, e ver isso se revelando é a beleza destas leituras.
Especialmente entre mulheres, é muito comum a incitação à rivalidade a partir do que nos diferencia. Se considerarmos a família como um microcosmo da sociedade isso se reproduz: Essa aqui sempre foi danada, aquela ali sempre foi quietinha. Aquela sempre gostou de festa, essa aqui sempre foi estudiosa, e assim, separamos o que deveria caminhar junto.
Convido a conhecerem estas obras, e, em O Romper das Conchas, descortinar o luto e as pressões do ser mulher, e, em Íris d’água perceber como é importante enfrentar os medos e ouvir os desejos, experimentando o poder deste encontro fraterno entre livros que aconteceu aqui na minha estante.
Íris d'água, Magda Medeiros, Editora Penalux, 2023, para saber como adquirir siga a autora no Instagram @magdamedeiros_
O Romper das Conchas, Emanuela Ribeiro, Editora Caos & Letras, 2023, para saber como adquirir siga a autora no Instagram @leiturasdaemanuela
Monique Bonomini faz leitura crítica é revisora e autora de Abismos para evitar ruínas e-book de contos disponível na Amazon. É integrante e uma das coordenadoras do Coletivo Escreviventes, compõe o Coletivo Ruído Rosa e o Clube de Ficcionistas. Possui textos publicados em coletâneas, zines, revistas digitais e portais pela internet.
Tête-à-tête com a autora Emanuela RibeiroEmanuela Ribeiro é uma jornalista cearense que também atua como assessora de comunicação. Escreve contos, crônicas em diversas revistas literárias. Publicou seu primeiro romance, “O romper das conchas”, pela Editora Caos & Letras em 2023.
Nos conte sobre seu envolvimento com a literatura.Já no início da adolescência me descobri rata de biblioteca. Além de ler muito, comecei a escrever. Foi já naquela época em que decidi fazer faculdade de jornalismo. No entanto, a profissão acabou me distanciando de uma escrita mais criativa e autoral e passei os últimos 20 anos dentro de uma indústria de produzir textos da forma mais impessoal possível. Foi apenas em 2021 que decidi me aventurar novamente na escrita. Na época conheci um grupo de mulheres escritoras que posteriormente veio a se tornar o Coletivo Escreviventes. Foi a partir dele que escrevi contos para uma primeira coletânea. No mesmo período comecei a estudar sobre escrita criativa e em setembro daquele mesmo ano comecei a escrever meu primeiro romance “O romper das conchas”.
Para mim, é privilégio ser lida. Ter meus não-ditos gritados nas páginas e descobrir como o meu texto encontra morada no outro. Acho que esse é meu objetivo: tocar as pessoas por meio da minha literatura. Fazê-las sentir que não estão sós e que seus sentimentos são válidos. Dar vazão e importância as pequenas coisas que no olhar atento do escritor ganham novos contornos.
Quais dificuldades encontrou ao trilhar o caminho da literatura e como as superou?A principal dificuldade a ser atravessada é interior, é assumir-se como escritora e deixar a síndrome da impostora de lado. Depois vem as dificuldades do mercado editorial da literatura feita por mulheres ser considerada ainda menor ou direcionada apenas a um nicho. Além, claro, de conseguir furar a bolha para alcançar leitores e destaque num mercado onde as grandes editoras majoritariamente publicam livros estrangeiros. Nacionalmente parece que para ser reconhecido, seu livro tem que ter ganho prêmios ou você estará fadado a uma tiragem de 500 exemplares num raio de 500 km.
Mas se algo eu aprendi nesses últimos anos é que a literatura não é uma arte solitária. E enquanto sigo estudando, aprimorando minha técnica e escrevendo, vou criando pontes invisíveis através de minhas palavras.
Quais obras já publicou e que temáticas são recorrentes em suas narrativas?Antes de “O romper das conchas” eu havia escrito para revistas literárias e participado apenas de algumas coletâneas de contos. A mais especial delas, com certeza, é “De corpo inteiras”, disponível na Amazon, que foi meu o meu primeiro trabalho publicado e que foi produzido pelo coletivo Escreviventes. Nesse trabalho, produzi cinco textos sempre partindo de uma parte do corpo da mulher para falar desse universo do feminino.
Em 2023 tive um conto publicado na coletânea “Fraturas”, após meu texto “Maternar” ser um dos 30 premiados no concurso Pintura das Palavras. No mesmo ano, a crônica “Entre cores” recebeu menção honrosa e foi publicado na coleta e Nordestes do Selo Off-FLIP. Nesse texto trago o tema de famílias interraciais.
Tanto no meu romance como em minhas narrativas curtas, perpassam as relações pessoais e familiares como temas principais
Como foi a concepção da obra O Romper das Conchas?Alguns temas foram se tornando urgentes para mim durante a pandemia como por exemplo as relações familiares e como os silêncios atrapalham essas relações, mas foi apenas no segundo semestre de 2021 que efetivamente comecei o processo de escrita. Para escrever “O romper das conchas”, tive que começar rompendo as minhas próprias e me livrando das amarras da insegurança, do medo da rejeição, de tudo que minava minha autoestima. Depois de um ano e meio de escrita e reescrita, tive meu original aceito por duas editoras. Ele entrou em pré-venda pela editora Caos & Letras em outubro de 2023 e no mês seguinte tive o prazer de fazer o lançamento da obra na FLIP.
A partir daí, dei início a uma fase muito gostosa que é encontrar leitores. Meu livro participou de dois clubes de livros esse ano e escutar como meu texto atravessou a vida deles foi maravilhoso. Os feedbacks tem sido muito positivos no que se refere não apenas ao ritmo do texto que prende a atenções do início ao fim, mas ao equilíbrio ao tratar de temas pesados como abuso, violência, abandono de uma maneira real e leve, de modo a suscitar a reflexão sem juízos de valor.
Arte de vitrine e entrevista por Filipo Brazilliano
Resenha por Monique Bonomini
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