Resenha: O Destino não é um endereço, de Jana P. Bianchi

Em parceria com a autora Rita (@rittacabrita), o Portal Cataprisma traz a resenha de O Destino não é um endereço, um conto de Jana Bianchi (@janapbianchi) publicado na revista Suprassuma.


Capa da Revista Suprassuma


"Área escurecida pela presença de um corpo opaco entre ela e uma fonte de luz". Essa é a definição de sombra, pelo dicionário Aulete. A palavra vem do latim (umbra) e ela que dá o tom (sombrio) ao conto "O destino não é um endereço", da autora Jana Bianchi. 

O conto fez parte da primeira edição da Revista Suprassuma (@EditoraSuma), e vem em uma valsa que transita pelas ficções histórica e científica. Ou seja, tudo o que eu mais amo na literatura de ficção. 

Estamos no auge dos sombrios anos da Ditadura Militar no Brasil, pela perspectiva de uma atravessadora — isto é, alguém com a habilidade de utilizar umbrais como uma rede complexa de portais pelo mundo. Podem ser armas secretas do governo ou protetores da resistência. 

Nesse embate, uma coisa é comum a qualquer atravessador: o medo de cruzar sua própria sombra e, assim, expor-se ao desconhecido. É essa a premissa que Jana traz em uma leitura que me deixou inquieta, ansiosa, sedenta por mais. 

A linguagem por vezes é um pouco mais elevada, o que me trouxe um incômodo inicial. Entretanto, ao fim se transformou em uma experiência gratificante de expandir meu vocabulário. Além disso, pude assim, também, me deliciar com o jogo de palavras que a autora faz. 

Jana trabalha as palavras, com e através delas. Isso é nítido durante o conto, que permite apreciar trocadilhos sutis, adicionando mais uma camada de sensação/experiência para quem lê. E por meio desse difícil e inteligente ofício, uma narrativa tensa se cria. 

Justamente por ser alguém que conhece as palavras, Jana não as gasta muito. Em poucas linhas você já entende a construção de uma relação, o perfil de determinada personagem, o cenário e os contextos psicossociais presentes. É, assim, uma leitura que flui muito bem. 

Conforme os parágrafos passam, a adrenalina vai sendo construída. Ao fim, ela poderia muito bem nos deixar apenas à beira da ansiedade, roendo as unhas, para ver os desfechos daquilo. Contudo, ela traz um consolo, reconfortante até, com sabor de chocolate quente. 

E acabo com a sensação de estar tomando um vinho amadeirado, contemplando o caos que há pela frente. Definitivamente esse vinho deixa sabor de "quero mais" na boca. Espero ver mais desse universo em outros textos da Jana. Que experiência gostosa! 

Talvez soe muito bizarro, mas imagina que uma escritora juntou no seu caldeirão Monstros S.A., X-Men e Doutor Estranho - com uma pitada ácida, realista, de Geraldo Vandré e de Rita Lee. Essa é a vibe que "O destino não é um endereço" me passou. 

O conto inicia a primeira edição da Revista Suprassuma. A edição está disponível gratuitamente na Amazon Kindle.

Quer conhecer a autora Jana Bianchi?


Jana Bianchi é escritora, tradutora de livros, quadrinhos e jogos de tabuleiro, editora-chefe da Revista Mafagafo, e passeadora de lobisomens. Entre outros, publicou a novela Lobo de Rua (2016, Dame Blanche) e contos em antologias e revistas como Trasgo, Somnium, Dragão Brasil e Suprassuma. Pode ser encontrada no site janabianchi.com.br e no Twitter e no Instagram como @janapbianchi.




Acompanhe o trabalho da autora aqui Jana P. Bianchi

Quando você decidiu seguir o caminho da escrita?

Eu “escrevo” desde criancinha — entre aspas porque nem sabia o que estava fazendo. Sempre amei ler, e foi meio natural começar a contar minhas próprias histórias. Meu pai me apresentou ao incrível mundo do Microsoft Word quando eu tinha uns seis anos (quando os computadores pessoais começavam a aparecer nas casas de “pessoas normais”) e o resto é história.

Mas costumo considerar que “escrevo profissionalmente” desde 2014, quando saí da faculdade (de engenharia de alimentos, disfarcem!) e, com mais tempo em mãos, comecei a fazer cursos e contatos no mercado literário. Acho válido dizer que escolhi ativamente seguir por esse caminho em 2015, quando publiquei a primeira versão independente de Lobo de rua. Foi quando pessoas tiveram contato com o que escrevo e eu mesma tive contato com pessoas que liam minhas coisas.

Depois disso, acho que a vida foi me levando (num ótimo sentido) e, em 2018, migrei também profissionalmente para o mercado literário.

Quais dificuldades encontrou e como as superou?

Acho que todo mundo que decidir escrever vai encontrar um MONTE de dificuldades, e quem decidir publicar vai encontrar mais uma série de pedras no caminho. Falta de tempo, falta de dinheiro… No mundo capitalista em que a gente vive, não tem muito como fugir disso.

Então, pensei aqui e vou falar a respeito de uma dificuldade importante que sinto que está mais nas mãos de quem escreve do que essas outras carências que mencionei, que é: no início, a escrita é um caminho muito solitário. 

Acho que é muito fácil se desestimular e ignorar alguns aspectos importantes do processo de escrita e publicação quando ainda não encontramos “nossa turma”.

O que fiz para solucionar isso foi uma coisa ao mesmo tempo simples e complicada: eu fui atrás de outras pessoas que escrevem. 

Encontrei uma comunidade já formada — pessoas que felizmente me receberam de braços abertos como colega e, em alguns casos, amiga — mas também comecei a formar minha própria comunidade. De modo geral, comecei a participar de eventos (presenciais e virtuais), entrei em grupos de escrita nas redes sociais, fiz cursos, fui cara de pau e comecei a interagir com pessoas que eu admirava por aí. Se eu tivesse me isolado no meu quarto (de modo literal, mas também metafórico), minha carreira literária — e minha vida, sem dúvida — teria transcorrido de forma bem diferente.

Com quais gêneros você diria que trabalha?

Minha praia é tudo que é especulativo, insólito. Acho que transito bem por vários subgêneros dentro desse conceito maior: fantasia (em geral, primária ou urbana), ficção científica, horror, realismo mágico. Já escrevi coisas com nuances diferentes dentro desse universo — coisas mais dramáticas ou mais cômicas, mais sombrias ou mais felizinhas.

Acho que escrevi pouquíssimas coisas sem NADA de especulativo (e o que escrevi nunca chegou, nem chegará a ver a luz do dia).

Que temáticas são recorrentes em suas narrativas?

Adoro essa pergunta porque é uma coisa que eu avalio e reavalio constantemente, justamente porque minhas temáticas mudam MUITO de acordo com as coisas pelas quais estou passando (de certa forma, de acordo com os temas presentes na minha vida). Então o que eu responder hoje pode não fazer sentido daqui cinco anos, e talvez nem se passasse pela minha cabeça cinco anos atrás — embora alguns grandes temas pareçam estar presentes desde sempre.

De modo geral, gosto muito de escrever sobre família, afeto e amor (talvez seja clichê, mas adoro), identidade, corpo, autoimagem e pertencimento. Solidão e morte também são coisas que aparecem em maior ou menor grau em muitas coisas que escrevi e publiquei — mas em geral, meu viés é o de enxergar beleza mesmo em coisas tristes, então até esses temas mais pesados são abordados com certa leveza (perguntei para algumas amigas se essa resposta fez sentido e elas disseram que sim hahaha).

Como foi a experiência de produzir “O destino não é um endereço?"

Até hoje fico surpresa com como esse conto saiu rápido em vários sentidos, acho que foi um processo incomumente fluido de criação.

Não lembro muito bem como tive a ideia, mas acho que simplesmente juntei um conceito antigo — pessoas que se deslocam pelo mundo “pulando” de porta em porta — com outro conceito que gosto — pessoas mágicas que têm sombras esquisitas — com a temática mandatória da primeira edição da Suprassuma — primeira vez. Assim cheguei no conflito da personagem que ia atravessar a sombra dela pela primeira vez. Também estava começando meu relacionamento atual, o que me fez colocar um romance como elemento central da história (o que, até então, eu não fazia com tanta frequência).

A pesquisa foi relativamente tranquila também; apesar da história se passar na época da Ditadura, é tão focada nos personagens e não no universo que a única coisa que precisei pesquisar mais a fundo foi se já existia orelhão no Brasil na época em que a história se passa (já que a primeira cena é a personagem atendendo uma ligação num telefone público aleatório). Acho que também pesquisei um pouco sobre a época dos exílios políticos, mas nada demais.

O desenvolvimento também foi SUPER rápido, escrevi a história num fim de semana. Uma vez que tinha a história, decidi escrever em terceira pessoa, só que no presente, e executei tudo em tipo duas sessões de escrita — o que é muito, muito raro.

E ai, eu adoro esse conto! É muito raro eu gostar tanto de algo meu mesmo depois de um bom tempo de escrito. Acho que a atmosfera da história ficou exatamente como eu queria, gosto dos personagens e da relação entre eles, e também expressa muito do que eu estava vivendo naquele momento específico da vida.

Para quem você diria que escreve, que tipo de público iria se interessar pelas histórias que conta? Com quais realidades e existências sua literatura conversa?

Acho que quem gosta de histórias menos pirotécnicas e mais reflexivas pode gostar do que escrevo. Quem curte fantasia e ficção especulativa misturada com questões políticas e sociais também deve gostar do que faço. Agora, quem espera grandes histórias sobre o mundo sendo salvo por protagonistas perfeitos provavelmente NÃO vai curtir minhas coisas, que em geral são narrativas de um ponto de vista micro dentro de um contexto maior — eu prefiro focar muito mais em pequenos conflitos, coisas não raro rotineiras.

E caramba, achei capcioso tentar imaginar com quais realidades minha literatura conversa… Acho que falo com pessoas que, como eu, não têm respostas para tudo. Acho que muitas histórias minhas propõe reflexões sobre coisas complicadas ou cinzentas sem essa pretensão de chegar a uma grande conclusão. Também acho que falo bastante com quem vive no Brasil atual — mesmo escrevendo de uma posição absurdamente privilegiada, e mesmo sabendo que há vários “Brasis atuais”. Quando escrevo para o mercado anglófono, também acho que falo com pessoas que nasceram ou moram no Sul Global, o que considero um diferencial bem legal dentro desse mercado tão centrado nos Estados Unidos e na Europa. 


E por fim, como foi sua experiência com a Suprassuma?

Nossa, a melhor possível! Fazia tempo que não queria tanto ser selecionada em algum edital, e foi uma alegria imensa ter meu conto escolhido. O processo de edição foi supercuidadoso — a Bia d’Oliveira, que na época era editora da Suma, foi a que mais opinou no meu conto (mas outras pessoas também leram, comentaram, sugeriram mudanças e revisaram meu texto até ele ficar bem redondinho). Lembro de mexer bastante no começo e no fim da história, e também de criar uma limitação importantíssima para a experiência de se entrar na própria sombra — algo que criou uma camada a mais na história e enriqueceu muito esse universo, que eu pretendo retomar em breve em outra obra.

O processo de divulgação também foi maravilhoso! As histórias todas foram ilustradas, o que foi incrível, e nós autores fomos envolvidos no processo de divulgação, inclusive gravando vídeos para uso nas redes sociais (fiz morrendo de vergonha, mas fiz).

Foi uma experiência muito legal e exclusiva de passar pelo processo editorial de uma grande casa de fantasia e ficção científica como a Suma. Recomendo demais para todo mundo!

Arte de Vitrine e entrevista feita por Filipo Brazilliano
Resenha escrita por Rita

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1 Comentários

  1. Ótima entrevista, esse conto foi fantástico e abriu de forma extraordinária a revista para conhecermos as outras historias.

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