Resenha: Porque éramos nós, de Elaine Araújo Brito


Em parceria com Monique Bonomini (@moniquebonomini), o Portal Cataprisma traz uma resenha de  Porque éramos nós, da autoria de Elaine Araújo Brito (@elaine.escritora) acompanhado de uma breve entrevista com a autora.



O que fazer quando o assunto é amor


(um texto de Monique Bonomini)


Porque éramos nós, romance de Elaine Araújo Brito, recebeu uma edição física após concorrer ao Prêmio Kindle de 2022 e nos faz enfrentar uma temática que costuma ser abordada na literatura de modo enviesado e moralizante, o adultério.


No Brasil, trair deixou de ser crime há apenas 15 anos, e pra pensar no quanto isso é recente, basta ter como exemplo o meu relacionamento, que é o mesmo há 24 anos e, por 9, foi "protegido" pelo Estado através de uma legislação que tipificava o adultério e estabelecia uma pena por sua prática.


Desta ótica, não surpreende que histórias de traição amorosa, geralmente, sejam apresentadas ao público antagonizando vítima e algoz, e, tanto essa é uma estrutura eficaz, que a obra literária brasileira mais debatida da internet está reduzida a: traiu ou não traiu?


A autora de, Porque éramos nós, no entanto, subverte esse olhar carola sobre o tema ao apresentar a história de um amor que nasce de uma traição simultânea. Pela lógica tosca e conservadora, Gustavo e Júlia são algozes, o que faz com que o leitor experimente de forma intensa o dilema enfrentado por eles.


Cada pequeno momento do casal, por quem a gente torce de forma vibrante desde a página um, está contaminado pela sombra de seus casamentos e Elaine nos convida a contestar esta que é uma das instituições mais romantizadas da nossa sociedade e sua falácia do felizes para sempre, ou melhor, do até que a morte os separe.


Um dos grandes romances ocidentais, Anna Kariênina, de 1878, já explorava a temática do adultério expondo a infelicidade conjugal a que muitos estão condenados, mas, como crítica social ou como lição, não poupa sua heroína da tragédia pela sua ousadia de amar e consumar este amor com outro.


Em, Porque éramos nós, há uma dicotomia a ser vencida, Gustavo é um homem desajeitado e inseguro, Julia é uma mulher confiante e controladora. Ele tem sonhos e um ideal. Ela é racional e pragmática. Gustavo leva uma vida desleixada, Julia tem a vida toda organizada. Gustavo tem uma família tradicional, esposa, filha, pai, mãe, irmã, cunhado. Julia nasceu num lar disfuncional, com um pai fraco e uma mãe ausente, tem um marido oportunista e uma filha que ela usa para não repetir a própria mãe. 


Gustavo se apaixona por Julia à primeira vista, mas ela vai se apaixonando por ele aos poucos e é neste ponto que a bifurcação por onde cada um deles caminha, começa a se estreitar, porque os dois são casados. No caso de Gustavo o casamento é uma farsa jogada embaixo do tapete, no de Julia foi uma escolha racional e conveniente.


A afetação desencadeada pelo encontro de Gustavo e Julia e seus caminhos tão próprios, expõe os sentimentos que estão envolvidos para além deles. Julia tem expectativas próprias quanto à construção da sua família, e João, o marido de Júlia que parecia não se importar, se importa. Já Gustavo precisa de coragem para romper com as idealizações de Raquel, a esposa, que são alimentadas pela mãe dele, no meio desses atores todos estão Alice e Rebeca, as filhas de ambos.


O tema da traição não é fácil de ser encarado. Do ponto de vista de Gustavo, um homem, parece mesmo natural que ele traia, e Brito provoca o leitor o deixando perto de não nutrir qualquer simpatia por Raquel, a esposa. Já em relação à Julia, uma mulher, que trai João sem se afastar dele completamente, ficamos na dúvida se merece ou não nossa torcida.


Engenhosamente a autora realoca as posições culturalmente vistas como óbvias, Gustavo não tem a menor intenção de ficar com as duas mulheres, mas Julia está disposta a ir levando os dois homens. Elaine põe seu leitor contra a parede e o obriga a encarar os fatos: Gustavo e Julia se amam, mas estão envolvidos com outras pessoas, onde está o certo e o errado neste caso? A dicotomia da narrativa se dissolve à medida que Gustavo e Julia se envolvem nos forçando a desejar um caminho do meio onde o amor possa os conduzir.


Nesse jogo de confundir o julgamento do leitor é que o romance de Elaine Araújo Brito cresce, a gente torce pelo casal, mas não compactua com a traição, eles se amam, mas tem os outros, eles carregam traumas da juventude, mas acabam afetando pessoas que nada têm a ver com isso. 


Brito descreve uma paixão menos romântica e idealizada e, através da narrativa sem intermediários, transporta os leitores para o Rio de Janeiro como se fossem turistas de binóculo na mão observando atentamente, não a paisagem, mas os passos de Gustavo e Julia, os enredando a tal ponto que é difícil abandonar a leitura.


O amor é o tema universal da literatura, dizem, mas na atualidade uma história romântica, para se sustentar, precisa ir além do conto de fadas como acontece neste encontro entre Gustavo e Julia, que me fez pensar em duas pessoas deixando, cada uma, o seu quarto escuro depois de acordar de um sono entorpecido. Gustavo é o que sai atropelando tudo, batendo o dedinho na quina do móvel, calçando apenas um pé dos chinelos, enquanto Júlia é a que percorre o cômodo tateando em busca de um interruptor que ilumine o ambiente. Despertos terão a realidade para se encontrar, que é onde ocorrem de fato as verdadeiras histórias de amor.


Porque éramos nós, Elaine Araújo Brito, Caravana, 2023, pode ser adquirido diretamente com a autora que pode ser encontrada no Instagram.


A resenhista: Monique Bonomini é revisora, faz leitura crítica e autora de Abismos para evitar ruínas, podcast que deu origem ao e-book homônimo, disponível na Amazon. É integrante e uma das coordenadoras do Coletivo Escreviventes, compõe o Coletivo Ruído Rosa e o Clube de Ficcionistas. Possui textos publicados em coletâneas, zines, revistas digitais e portais pela internet. Sua produção pode ser encontrada através do linktr.ee/moniquebonomini - Nas redes é @moniquebonomini



Tête-à-tête com a autora Elaine Araújo Brito


Colagem digital por Céu Passos

Elaine é carioca, leitora voraz, administradora, produtora editorial, escritora e revisora literária. Autora de três livros de contos e um romance, possui dezenas de textos espalhados por coletâneas e revistas. Mantém um IG literário, uma página de contos e crônicas no Médium, é colunista na Revista Mormaço, editora-assistente na Caravana, umas das coordenadoras do Coletivo Escreviventes e ainda conversa com o mar.


Nos conte sobre seu envolvimento com a literatura.


Desde muito menina tenho uma relação íntima com a escrita. Minha 1ª lembrança é por volta dos 10 anos, preparando uma homenagem de aniversário para o inspetor da escola a pedido da professora de redação. Escrevi muito na escola, participei de concursos de redação, criava versos, cartas... Depois vieram os diários, ali pelos 12 anos. Desde essa época, escrevo para “me contar” o que acontece, essa estranha mania permaneceu comigo, eu me entendo melhor por escrito. As histórias ficcionais foram aparecendo, gostava de criar enredos, tinha amigos imaginários, acho que fui uma criança criativa e escrever dava vazão ao que a mente inventava.


Não me lembro de nenhuma época da minha vida em que não tenha escrito, mas não mostrava para ninguém. Uma vez tive um blog anônimo, durou pouco, me deixar ler era apavorante. Em 2015, minha irmã, professora de literatura e redação, trabalhou um texto meu com uma de suas turmas e só me contou depois. Fiquei emocionada e preocupada! Só em 2020, na fase mais crítica da pandemia, que a ideia de lançar um livro ganhou força em mim. Foi minha válvula de escape. 


Meu 1º livro, Mero Acaso, de contos, foi lançado em 2021. Uma produção independente, fiz tudo, exceto a capa. Tenho um orgulho imenso desse livro, ele me abriu a portinha! Tanto que o 2º, Em meu nome, saiu no mesmo ano, com 5 meses de diferença, já pela editora Caravana.

 

Quero escrever enquanto eu puder, a vida toda. Mas também quero ser lida. O reconhecimento é consequência, o que eu quero mesmo, aqui no fundo, é encontrar cada vez mais pessoas que se identifiquem com o que escrevo. Leitoras e leitores que se emocionem, sorriam, se distraiam, conversem sobre ou se imaginem no lugar de um ou outro personagem... 


Quais dificuldades encontrou ao trilhar o caminho da literatura e como as superou?


Sem dúvida, colocar o que escrevo no mundo. Quando essa barreira caiu, eu vi que podia ir mais longe. Furar a bolha e “achar” os leitores é a principal dificuldade de toda pessoa que escreve no Brasil, mas a gente precisa começar de algum lugar, se mexer. Fico feliz por não ter esperado mais.


Qual foi sua maior evolução enquanto escritora?


Embora eu escreva desde criança, não acredito em “dom”. Vocação, talvez. Aptidão, quem sabe... Mas escrever é estudo, treino e, sobretudo, muita reescrita. Desde que passei a encarar o ato não mais como hobby, mas o meu ofício, estudo muito para aprimorar a técnica, aprender novos caminhos e melhorar a cada texto entregue. Publiquei três livros de contos e um romance em menos de quatro anos. Sinto-me bem ao olhar para isso, embora ainda tenha um longo caminho a percorrer. Não estou pronta, mas em constante evolução. Não posso deixar de citar que trabalhar com literatura foi de sonho a projeto de vida, e hoje estou vivendo dela. Tenho muito orgulho dessa mudança.


Quais gêneros você diria que trabalha e que temáticas são recorrentes em suas narrativas?


Aprendi com Marcelino Freire que a gente bota o nome que quiser no que escreve. Por isso chamo meus temas de “dramas humanos”. Isso é um mundo, então tenho liberdade de sobra.


Gosto de pensar que escrevo sobre pessoas reais, embora inventadas, e assuntos que permeiam a vida de quase todo mundo – se você não passou, ouviu falar sobre isso! Já escrevi sobre mãe solo, sobre divórcio e relações abusivas, sobre uma menina que sonhava em jogar futebol, sobre uma mãe que foi embora e deixou uma carta de despedida para os filhos, sobre uma moça que sonhou enlouquecer para ser feliz e outra que não sabia que tinha morrido. São muitas! A maioria das minhas personagens são mulheres, o que não significa que escrevo para elas. Embora, sim, escreva. Mas todos podem ler.  


Como foi a concepção da obra Porque éramos nós?


Não me lembro como surgiu a ideia, mas sei que ela nasceu no fim. Como quase tudo que escrevo, o final vem na frente. Gosto de começar sabendo onde a história vai dar. Porque éramos nós começou a se escrever ali por meados de 2016.


O meu processo é bem caótico. Sou organizada em todos os aspectos da minha vida profissional, na escrita a coisa muda de figura. Espalho cenas e frases soltas em cadernos e blocos de notas por um tempo absurdo, depois vou montando como um grande quebra-cabeças. Não recomendo. Para construir os personagens, traço perfis detalhados numa planilha. Por exemplo: o casal protagonista de Porque éramos nós é formado por uma advogada e um arquiteto. Trabalhei muitos anos na área jurídica, com ela foi fácil. Para ele, segui grupos de arquitetura por meses, para começar. Li artigos, pesquisei jargões da profissão e uma série de outros itens que nem mesmo aparecem na história, mas eu precisava pensar como um arquiteto (homem) para criar um personagem convincente. Além disso, há outras nuances. O livro aborda abandono parental, crises de ansiedade, casamentos arranjados, caráteres moldados por grandes rupturas... Pesquisei sintomas e comportamentos em grupos na internet. Aprendi muita coisa. Tenho comigo que não posso escrever sobre o que não conheço ou entendo, isso é base. Além de ler muito, é claro. O livro levou 6 anos para ficar pronto. Mas em boa parte desse tempo ele ficou engavetado, “descansando”.


Como você percebe que a obra atinge as pessoas?


Desde as primeiras leituras betas, o livro causa reações interessantíssimas! Porque éramos nós é uma grande e intensa história de amor, mas há um “senão” relevante. O casal protagonista, Julia e Gustavo, é casado respectivamente com João e Raquel quando tudo começa. Portanto, é um caso de dupla traição. Um tabu. Uma regra que não deve ser quebrada. Um acordo estabelecido há muitas eras: não traia! Pois bem, o que fazer agora? E as famílias? E as crianças? E tudo que era pra sempre nessas vidas? Digo que é uma história sobre escolhas e consequências. Os personagens são complexos e seus entornos não ajudam, como acontece com quase todo mundo que têm “nós” difíceis de desatar. Algumas pessoas os julgaram mesmo. Lembro de um caso emblemático, logo que a 1ª versão ficou pronta, e entrei num grupo de trocas de leitura, uma moça leu a sinopse e se voluntariou, pouco depois me devolveu dizendo que era contra os princípios dela aquele tipo de situação, e me desejou sorte. Guardo o e-mail com respeito. Depois da publicação, recebi outros vários comentários. Adoro quando chegam, fico ansiosa para que me digam! Alguns feedbacks fizeram críticas duras à Julia. Outros tantos torceram pelo casal. Há reações ambíguas, a dúvida sobre torcer ou não pelo final feliz, será que eles merecem? Tudo isso me deixa muito contente. Detestaria escrever algo que passasse em brancas nuvens. 



Arte de vitrine e entrevista por Filipo Brazilliano

Resenha por Monique Bonomini

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